Monday, July 14, 2014

Entrevista com Klaus Schulze

Paris, 1973 © kdm archives
1968/69, como baterista do Psy Free
© kdm archives
O músico e compositor alemão Klaus Schulze nasceu em Berlim, no dia 4 de Agosto de 1947. Ele aprendeu a tocar guitarra na infância, mas logo em seguida decidiu tornar-se baterista. Já no novo instrumento, Klaus Schulze formou a banda Psy Free, um trio formado por orgão, guitarra e bateria, que tocava em alguns locais em Berlim. Um destes locais era o hoje em dia famoso Zodiak Free Arts Lab, clube fundado em 1969 por Boris Schaak, Hans-Joachim Roedelius e Conrad Schnitzler. Nesta época, Schnitlzer fazia parte do recém formado Tangerine Dream, que contava com Edgar Froese na guitarra. Em um dos shows da banda o baterista faltou e Klaus Schulze juntou-se a eles, permanecendo como baterista até o lançamento do primeiro LP do Tangerine Dream, "Electronic Meditation", lançado no verão de 1970. Logo na sequência, Klaus Schulze e Conrad Schnitzler deixaram a banda. Schnitzler formou o Kluster, com Hank-Joachim Roedelius e Dieter Moebius, e Klaus Schulze juntou-se ao Ash Ra Tempel, banda formada pelo guitarrista Manuel Göttsching e o baixista Hartmut Enke (os três membros do Ah Ra Tempel chegaram a tocar em certas ocasiões usando o nome de "Eruption", com Conrad Schnitzler e outros). Com o Ash Ra Tempel, Schulze gravou o primeiro álbum, "Ash Ra Tempel" (1971), e logo em seguida deixou a banda para poder dar continuidade à sua busca por uma sonoridade própria e única.

1973 © Max Jacoby
Em 1972, Klaus Schulze gravou o que seria o primeiro álbum de uma discografia extensa e mágica, "Irrlicht", utilizando um orgão eletrônico e manipulações de fitas, tendo como base a gravacão de uma orquestra clássica, devidamente tratada através de filtros e efeitos, finalmente chegando no som que buscava. "Irrlicht" é um pouco diferente do estilo dos discos seguintes lançados por Schulze, fazendo uma conexão maior com a musique concrète e a tape music do que com a "música eletrônica" propriamente dita. Para seu segundo disco, "Cyborg" (1973), ele utilizou um sintetizador EMS, o que ajudou a direcionar ainda mais sua música para um som "espacial". A partir do terceiro álbum - "Blackdance" (1974) -, Klaus Schulze adicionou mais e mais sintetizadores, teclados eletrônicos e efeitos na sua música. Neste ponto da carreira, ele já era um dos principais nomes da música eletrônica, não só na Alemanha mas por toda a Europa! Em 1976, um Moog Modular System foi adquirido por Schulze, e seus sons sequenciados tornaram-se uma espécie de marca registrada na sua música por algum tempo (apesar da explicação dele, nesta entrevista, que os equipamentos não são o aspecto mais importante da sua música, temos que concordar que os instrumentos da Moog - bem como outros sintetizadores analógicos disponíveis na época - foram um fator importante durante sua procura por um som específico, como bem podemos conferir na sua discografia, gravações de concertos, fotos e filmagens da época. Naturalmente, era o único equipamento disponível na época - a tecnologia digital só chegou no final dos anos 70 -, mas Klaus Schulze fez um dos melhores usos dos sintetizadores analógicos, criando uma música e uma sonoridade atemporais e "extra-terrestes".)

A discografia de Klaus Schulze é imensa, contando com discos solo (todos relançados em CD, alguns com bonus tracks), box sets, DVDs de concertos, bandas na qual ele participou (como o Tangerine Dream e o Ash Ra Tempel, mencionados anteriormente, e também o Go, projeto com o percussionista japonês Stomu Yamashta), discos lançados como Richard Wanhfried (pseudônimo de Schulze para um projeto paralelo, de 1979 em diante), e discos que ele gravou e produziu com a cantora australiana Lisa Gerrard, do Dead Can Dance. Você pode checar a discografia completa no website oficial: www.klaus-schulze.com

Mr. Mueller & Mr. Schulze, Berlim, Novembro de 2008
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Eu enviei as questões para esta entrevista por email, e as respostas vieram rapidamente - o que explica o fato dele ter respondido minha segunda questão já na primeira pergunta, por exemplo. E esta entrevista não seria possível sem a ajuda do Sr. Klaus D. Mueller, um amigo de longa data do Klaus Schulze e responsável pela publicação da maior parte dos trabalhos do Sr. Schulze (Klaus D. Mueller é também o produtor de alguns dos lançamentos de álbuns do Klaus Schulze, como a coleção de CDs "Editions", lançada nos anos 90, e seu recente relançamento como "La Vie Electronique"). Klaus D. Mueller foi muito gentil, respondendo meus emails antes e depois da entrevista, e providenciou-me uma foto dele com o Klaus Schulze em 2008 - que pode ser vista aqui à direita -, além de permitir a utilização das fotos do site oficial. Sou muito grato aos Senhores Mueller e Schulze! Obrigado! E aqui está a entrevista com o Sr. Klaus Schulze!

Brussels, 1976 © Klaus D. Mueller

ASTRONAUTA - Como a música surgiu na sua vida e quais foram as suas primeiras influências artísticas, na infância e adolescência?

KLAUS SCHULZE - Quando eu era criança, tive algumas aulas de violão na escola. Toquei violão por seis anos, mais ou menos. Eu também brincava com a guitarra elétrica, tocando músicas das bandas 'The Shadows' ou 'The Spotnicks'. Meu interesse na música pop daquela época não era tanto nas "canções" ou nos cantores de Rock'n'Roll, e sim no SOM. Os novos, incomuns e exóticos sons que algumas das bandas ou músicos populares vinham buscando alcançar. Este era o meu interesse. 

1972 © Marcel Fugère
Então eu comecei a tocar bateria, porque meu irmão era baterista em uma banda de jazz, então eu pensei que tocar bateria seria mais legal do que tocar guitarra. Na metade dos anos 60, eu passei a tocar bateria com um trio de rock, PSY FREE. 'Psy Free' era um trio com guitarra, orgão e bateria. Eu era o baterista. Nós tocavamos o que o nome sugere: psicodelia, música livre. Não "free jazz" - o que era muito comum naquela época, mas nossa música era mais voltada para o rock, para o barulho. Nós tocavamos apenas em clubes na cidade de Berlim. 

Então, como a extensa e precisa discografia THE WORKS coloca, corretamente: final de 1968/início de 1969, primeira apresentação de Klaus Schulze com o Tangerine Dream no clube Magic Cave, em Berlim, na ausência do baterista habitual Sven-Ake Johansson. Daquele momento em diante, eu fui membro do Tangerine Dream, até o verão de 1970. 

Também naqueles primeiros tempos, eu utilizava alguns tipos de equipamentos "eletrônicos": eu modifiquei um velho e barato orgão elétrico e um amplificador de guitarras Fender, sem saber exatamente o que estava fazendo, mas os sons exóticos que eu conseguia com aquilo em certas ocasiões, justamente por causa disto, eram interessantes (para mim). Quando eu li no seu website a entrevista com o Ron Geesin, há alguns dias, me surpreendi que eu e Geesin - independentemente - estavamos fazendo as mesmas coisas, ao mesmo tempo, na mesma época. Geesin: "Eu utilizava: mudancas de velocidade na fita, edição precisa, tocava a fita ao contrário, usava ruídos de rádio e qualquer coisa que eu pudesse ligar." Exatamente. Depois destas experiências, muitas vezes algum dos equipamentos nem tinha mais conserto.  

Tangerine Dream, 1970: Schulze, Froese e Schnitzler
© kdm archives
Eu deixei o Tangerine Dream porque o Edgard não gostava das minhas experiências com orgão e com fitas executadas ao contrário (ele queria um baterista mais direto para companhar seu jeito de tocar guitarra baseado no Hendrix. Pouco depois, Conny Schnitzler também saiu da banda, justamente por ter idéias 'malucas' em relação à música)... E, então, eu conheci dois caras que tocavam blues rock sob o nome de "Steeplechase Bluesband". E eles haviam perdido seu baterista. Com este dois, eu formei o ASH RA TEMPEL, e então mudamos do blues rock para o "space rock". Eu ainda era o baterista, mas eu também tocava minha lap guitar especial ligada numa câmera de eco, para criar ritmos precisos ou mesmo para fazer sons "cósmicos". Um dia eu disse para mim mesmo "okay, a música que fazemos é bonita e normal mas se eu quiser fazer algo realmente especial, tenho que mudar de instrumento". Então eu passei a tocar teclados, isto deve ter acontecido por volta de 1971.

ASTRONAUTA - Você foi baterista de algumas bandas (algumas bandas bastante conhecidas, diga-se de passagem) antes de mudar para as manipulações de fita e para os sintetizadores e teclados eletrônicos, e antes de você se tornar um dos maiores e mais conhecidos nomes da música eletrônica. Como foi esta transição na sua carreira e vida pessoal?

KLAUS SCHULZE - Aconteceu como eu disse anteriormente. Eu devo mencionar que, na época que eu estava tocando com estas bandas, elas ainda não eram "bastante conhecidas". Um tipo de música bem diferente era "bastante conhecido" e popular naquela época.

ASTRONAUTA - Ne metade dos anos 70, você adquiriu um sintetizador Modular Moog, instrumento que passou a ter uma importância muito grande e se tornou uma característica marcante na sua sonoridade. Você poderia nos contar um pouco da história deste instrumento específico, o seu sintetizador Modular Moog? E quais os outros instrumentos da Moog você teve durante a sua carreira?

1976 © Klaus D. Mueller
KLAUS SCHULZE - Eu não tenho como falar nada sobre a "história" deste Moog. Por favor, entenda que eu utilizo estes equipamentos, mas eles não são um fetiche para mim. Eu gosto quando eles funcionam perfeitamente (o que não acontecia sempre) e quando eu posso utiliza-los da maneira que eu quero, e quando eles fazem exatamente o que eu quero deles. Quando possibilidades melhores estão à mão, naturalmente eu as utilizo. Eu posso citar novamente o Ron Geesin, na estrevista que você fez com ele: "a IDÉIA é tudo, e pode ser realizada de várias maneiras. As mudanças na tecnologia de áudio, principalmente as técnicas de sample e manipulação digital, dão uma 'paleta' maior para eu pintar com meus sons, mas isto não muda a IDÉIA." Eu não conheço este homem, mas ele está absolutamente certo. Sou eu, o artista, o músico, quem tem a idéia para a música, e que a executa. Os instrumentos são apenas ferramentas. Músicos como eu muitas vezes ficam admirados como os 'fãs' adoram tanto estas ferramentas, especialmente na música pop ou, mais especificamente, na "música eletrônica". Nenhum amante de esculturas, pinturas ou literatura adoraria um martelo, um pincel ou uma máquina de escrever.

ASTRONAUTA - Quais foram os seus sintetizadores preferidos nos anos 70? E, olhando em retrospecto, qual é (ou permaneceu sendo) o seu sintetizador dos anos 70, hoje em dia?

Winsen, 1979 © Klaus D. Mueller
KLAUS SCHULZE - Eu sempre gostei de instrumentos que tivessem alguma coisa especial: os osciladores do 'Minimoog' tem aquele som profundo e denso; o 'Farfisa Synthorchester', aquele som de 'voz feminina' nos registros agudos, pelo menos no instrumento que eu tenho; o Modular Moog System tinha um sequencer maravilhoso; o 'Yamaha CS 80' tinha isto, o 'EMS Synthi A' tinha aquilo... Eu utilizava cada intrumento para certa parte especial, para criar os sons que eu queria e precisava nas minhas músicas. Também tiveram importância os efeitos e os métodos que eu os utilizava: eco, repetição, flanger, phase shifter, etc. E não podemos esquecer as técnicas de gravação e mixagem: construíndo 'salas', esquerda, direita, para trás, para frente... (Isto tudo além de todas as técnicas musicais, de composição de uma peça musical, com introdução, várias partes, tensão, paradas, caos e beleza, ritmo e calmaria, repetição, sonoridades, melodias, surpresas, etc, etc, etc...)

ASTRONAUTA - No final dos anos 70 e início dos anos 80, como as diferenças da tecnologia analógica para a tecnologia digital afetaram ou mudaram a sua carreira?

KLAUS SCHULZE - Em 1979, eu adquiri meu primeiro computador musical, o "G. D. S.", e eu testei várias coisas na época, com a ajuda de um técnico norte-americano que a companhia enviou para me mostrar como funcionava. Era - para mim e para todo o mundo - uma maneira completamente diferente e NOVA de criar e gravar sons e música. A era DIGITAL estava batendo à porta. Toda a programação musical do primeiro disco 100% executado e gravado digitalmente, DIG IT, foi feita em disco digital. Eu não utilizei os tradicionais sintetizadores analógicos na ocasião. Para o lançamento, eu 'inventei' um slogan para os anúncios da gravadora, na divulgação do meu álbum DIG IT: "A era da cadeira de rodas eletrônca está acabada".

Derby, 1996 © kdm archives
ASTRONAUTA - Quais os instrumentos dos anos 70 você ainda tem e utiliza no seu estúdio, hoje em dia?

KLAUS SCHULZE - Eu ainda tenho e ainda utilizo o 'Minimoog' e o 'EMS Synthi A', porém muito mais em concertos do que no meu estúdio. No estúdio eu trabalho mais ou menos - como já faço há muitos anos - com computadores e programações.

ASTRONAUTA - Obrigado, Sr. Schulze!

KLAUS SCHULZE - Eu que agradeço você.

Tangerine Dream: Froese, Schulze, "Happy" Dieter
e "Hippie" Kraesze apresentando a banda
© kdm archives
Linz, Austria, 1980
© kdm archives
Barcelona, Espanha, 1991 © Dom F. Scab
Varsóvia, Setembro de 2009, com Lisa Gerrard
© Piotr Sulkowski
1983 © kdm archives

www.klaus-schulze.com
Todas as fotos utilizadas com permissão de Klaus D. Mueller/Klaus Schulze official website.

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