Sunday, March 03, 2013

Cinco perguntas para Larry Fast



Lawrence Roger Fast nasceu em Newark, New Jersey (USA) no dia 10 de dezembro de 1951. Desde sua infância, Larry sempre foi muito interessado tanto por música quanto por eletrônica. Ele começou a construir seus primeiros circuitos eletrônicos por volta de 1966 e seu primeiro contato com o sintetizador modular Moog aconteceu dois anos depois, em 1968. Alguns dos equipamentos projetados por ele passaram a ser vendidos por encomenda em 1971. Larry frequentou o Lafayette College, na Pennsylvania, onde obteve licenciatura em história em 1973. 

No início dos anos 70, Larry Fast teve a oportunidade de encontrar-se com Rick Wakeman, que na época tocava teclados na famosa banda de rock progressivo Yes. Rick perguntou se Larry poderia construir alguns módulos de sintetizador para ele. Isto aconteceu um pouco antes do Yes gravar seu disco ao vivo, "Yessongs" (gravado em 1972 e lançado em 1973) e Rick Wakeman utilizou os módulos construídos por Larry neste álbum. Em junho de 1973, Larry Fast foi convidado para ir à Inglaterra, para fazer pequenos ajustes técnicos para Rick Wakeman durante a gravação do disco "Tales From Topographic Oceans" - lançado pelo Yes no mesmo ano - enquanto suas próprias fitas demo circulavam pelas gravadoras em Londres.

Em 1975, Larry lançou "Electronic Realizations for Rock Orchestra", o primeiro álbum de seu projeto solo - Synergy - e, no mesmo ano, ele colaborou com a banda inglêsa baseada na Alemanha Nektar, na gravação de um álbum ("Recycled", 1975) e na turnê subsequente. Em 1976 o segundo álbum do Synergy, "Sequencer", foi lançado (Larry está neste momento terminando a parte gráfica para o relançamento de Sequencer, remasterizado direto das fitas originais analógicas e com resolução de 24 bit 192 khz e embalagem digipak). Também em 1976, ele foi convidado para tocar teclados com Peter Gabriel, que recém havia deixado o Genesis para se tornar um dos artistas mais criativos e conhecidos de todo o mundo. Larry tocou com Peter Gabriel por 10 anos (entre 1976 e 1986) e gravou 8 discos, inteiros ou em parte, com ele: PG1, PG2, PG3, PG4, Plays Live, a trilha sonora do filme Birdy e algumas músicas presentes nos discos "Shaking the Tree" e "So".

Durante o período que Larry foi tecladista da banda de Peter Gabriel, ele encontrou tempo para ser consultor da Moog no desenvolvimento de pelo menos dois sintetizadores muito famosos, o Polymoog (1976) e o Memorymoog (1986), e também manteve seu projeto solo Synergy, lançando mais 6 álbuns: "Cords" (1978), "Games" (1979), "Audion"(1981), "Computer Experiments, Volume One" (1981), "The Jupiter Menace Soundtrack" (1982) e "Semi-Conductor" (1984). No final dos anos 80, ele trabalhou como coordenador de A&R e produtor executivo no lendário selo de música eletrônica The Audion Record Company e também lançou o disco "Metropolitan Suite" (1987). Em 1998, foi lançada uma segunda versão para o álbum Semi-Conductor, com várias bonus tracks, e em 2002 "Reconstructed Artifacts", um álbum contendo regravações digitais para músicas lançadas anteriormente pelo Synergy. A maior parte dos álbuns do Synergy de Larry Fast foi relançada em várias edições diferentes, alguns deles com bonus tracks!

Meu primeiro contato com Larry foi feito em 2012, por email. Quando eu perguntei-lhe sobre a possibilidade dele conceder uma entrevista para meu blog, ele gentilmente disse sim para meu pedido e, mesmo sendo uma pessoa muito ocupada, Larry encontrou tempo para responder às minhas perguntas! Obrigado, Larry!!! E aqui está a entrevista:


ASTRONAUTA - Como e quando foi sua iniciação musical? Quais são suas memórias mais antigas sobre seus primeiros passos na música? E como, quando e porque você passou a se interessar pela música eletrônica?

LARRY - Foi uma combinação dos meus interesses em música com meus interesses em eletrônica. No início, o fator eletrônico era restrito ao aspecto de como gravar a música mas, no final dos anos 60, eu passei a fazer experiências utilizando equipamentos eletrônicos para criar sons também. Tudo começou com pequenos e primitivos osciladores transistorizados e progrediu para módulos de sintetizadores simples, que eu construia para mim mesmo e para outros músicos. Eu fazia experiências com eletrônica desde que era criança, eu construia e anotava coisas desde que soldei meus primeiros fios, nos anos 50. Eu também amava ouvir música e tive aulas de violino e piano e também aprendi sozinho a tocar guitarra e contrabaixo. Junte isto com hi-fi e stereo, gravadores de fita e algum conhecimento sobre circuitos de áudio e eu estava pronto para a música eletrônica. Quando os produtos da Moog evoluiram de módulos individuais para sistemas completos, entre 1964 e 1967, eu passei a desejar alguns destes sintetizadores. Mas, como eu ainda estava na escola naquela época, não havia maneira de conseguir alguns milhares de dólares para adquirir um. Então eu comecei a construir meus próprios equipamentos. Alguns dos circuitos eu encontrava em revistas técnicas e outros eu mesmo desenvolvia, a partir de circuitos clássicos de osciladores e filtros. Um dos meus primeiros osciladores era, na verdade, um oscilador utilizado para código Morse.

No início dos anos 70 eu estava construíndo aparelhos eletrônicos para outros músicos, como o Rick Wakeman, do Yes. Mas eu também estava começando a escrever e gravar, para satisfazer minha própria criatividade. Nesta época eu já tinha conseguido juntar dinheiro suficiente para comprar alguns instrumentos genuínos da Moog, que eram superiores aos que eu projetava e construia. Eu usava uma combinação de Moogs com equipamentos criados por mim mesmo, para trabalhar com algumas bandas e por conta própria. Depois de uma experiência com uma banda que durou pouco, foi-me oferecido um contrato em 1974, para gravar o que veio a se tornar o Synergy, meu projeto solo de música eletrônica.

ASTRONAUTA - Você é formado em história e também tem interesse por arquitetura, fotografia e tecnologias aplicadas à música (tanto analógicas quanto digitais). Como você vê a relação entre estes interesses, seu conhecimento nestas áreas e a música que você produz?

LARRY - Eu vejo muitas conexões entre todas os interesses que você listou. Os paralelos entre a arquitetura e a estrutura, beleza e forma da música parecem bastante óbvios para mim. As artes gráficas também têm aspectos análogos à forma e conteúdo dos sons musicais. Podem existir abstração, realismo, minimalismo e tudo mais, tanto nos sons quanto nas imagens. Há também o componente histórico, de revisitar o que ja foi moda, compreender seu contexto e documentar o que já existiu. Se algo tinha valor criativo em uma época, teria ainda valor hoje em dia? As lições estão sendo aprendidas? 

A relação entre as diferentes artes e a documentação histórica é óbvia para mim. No meu trabalho, tanto profissional quanto voluntário, existem vários fatores para compreender esta relação, mas um foco particular meu é compreender a história da tecnologia e o papel que ela cumpre ao possibilitar novidades artísticas. No meu processo criativo, isto tem sido sempre um subtexto na maneira como eu trabalho. Agora que estou ficando mais velho, o contexto histórico tem se tornado um novo tema reflexivo, sobre a história da música eletrônica e até mesmo a documentação de coisas como a carreira de Peter Gabriel durante os anos que eu trabalhei com ele.

ASTRONAUTA - Quais foram as melhores coisas (e as piores, se você tiver alguma) sobre trabalhar com o Peter Gabriel por dez anos (entre 1976 e 1986)? Ele já tinha ouvido seus álbuns solo antes de convidá-lo para integrar a banda dele? Qual a sua canção e álbum preferidos entre os que você gravou com Peter Gabriel durante este período? E sobre trabalhar com Serge Gainsbourg no seu álbum "Love on the Beat"? Alguma história interessante para nos contar sobre o Serge ou sobre a música que você gravou com ele neste álbum em particular? 

LARRY - Peter já estava familiarizado com meus dois primeiros álbuns quando me convidou para trabalhar com ele no seu primeiro disco solo, depois de sua saída do Genesis. Eu acho que o trabalho que eu tinha feito nos meus próprios discos chamou a atenção de Peter, por causa dos elementos sonoros que ele estava procurando para a nova fase de sua carreira. Não haviam muitas coisas ruins em relação a trabalhar com Peter. Ele é uma pessoa inteligente e atenciosa. É muito difícil resumir 10 anos de experiências variadas, gravando e saindo em turnês em poucas palavras. Nós todos crescemos e evoluímos ao longo de todo aquele tempo, então não há nenhuma história boa ou ruim que exista fora do contexto da narrativa toda, ao longo de cinco álbuns e muitas turnês. O único aspecto ruim para mim é que, como eu estava focado em fazer parte da equipe de Peter, meu próprio trabalho como Synergy foi colocado em segundo lugar. Mas, de qualquer maneira, isto foi uma escolha minha, não é algo que Peter tenha alguma culpa. O melhor aspecto do trabalho era que me desafiava a crescer, ser criativo artísticamente, a fim de contribuir com o trabalho de Peter. A criatividade dele é tão especial que eu tinha que dar o melhor de mim para ser útil a ele e à nossa banda.

Larry Fast tocando com Peter Gabriel em 1977
(Levin, Fripp, Hunter, Gabriel e Fast).
Eu sinto que minha contribuição com Peter atigiu o pico criativo trabalhando nos discos PG3 e PG4 (conhecido como Security nos Estados Unidos). O trabalho de gravação, com a banda tocando ao vivo, foi captado muito bem no disco "Plays Live". É complicado escolher canções específicas desta época. Elas são muito diferentes e têm forças sonoras diferentes. Mas algumas que eu sempre gostei são "No Self Control" e "Biko", no PG3. Houveram também algumas músicas que foram gravadas para aquele disco, mas por várias razões nunca foram finalizadas. Algumas delas continham os momentos mais fortes para mim. No PG4, "Rhythm of the Heat", "San Jacinto", "Wallflower" e "Lay Your Hands on Me".


Não há muito o que dizer sobre o Serge Gainsbourg. Ele era um cliente do nosso estúdio, em New Jersey. Eu fui contratado para fazer alguns overdubs. Foi uma honra conhecer uma celebridade e trabalhar no seu disco. Nós conversamos um pouco e tínhamos algumas raízes étnicas em comum na Europa, antes da Segunda Guerra Mundial. Eu criei os sons que foram solicitados pelo produtor e pelo engenheiro, fui pago e segui meu caminho. Tudo muito profissional, muito rápido, como a maioria das outras sessões de gravação que fiz na região de New York, com artistas famosos e não tão famosos. Eu gostaria de ter mais a contar-lhe, mas sessões de gravação profissionais feitas por artistas experientes não tendem a ser muito dramaticas. O drama fica reservado à performance, como deve ser.

ASTRONAUTA - Em 1997 você tocou em um concerto com a Wendy Carlos e o Switched-on Bach Ensemble. Você poderia nos falar sobre esta experiência? Este concerto foi gravado ou filmado? Eu não encontrei nenhum vídeo - somente fotos - deste concerto...

O Switched-on Bach Ensemble, de Wendy Carlos!
LARRY - Mesmo tendo acontecido apenas um concerto, que não foi realizado uma segunda vez, foi um dos pontos altos da minha carreira. Foi um trabalho e tanto para mim. Wendy foi uma das minha primeiras amizades dentro da música eletrônica e nós dividimos muitas experiências no surgimento e desenvolvimento dos sintetizadores, gravação, computadores e tudo mais. Eu fiquei lisonjeado com o convite dela, para participar do conjunto. E também foi assustador. Embora eu tivesse algum estudo formal em piano e também alguns cursos acadêmicos de música, o restante do conjunto era formado por músicos com treinamento em conservatório e com anos de experiência em apresentações e performances acadêmicas no campo da música erudita.  Eu simplesmente não chegava naquele nível de treinamento clássico. Eu sabia que teria que praticar mais do que qualquer coisa que eu havia feito com Peter Gabriel ou o Nektar em turnês. Eu passei meses com as partituras do Bach, aprendendo, praticando e aprimorando minhas partes de "orquestra" eletrônica para que tudo desse certo, que eu fosse perfeito na noite da apresentação. Eu não consegui atingir a perfeição completa, mas fiz o melhor possível. Mais importante do que isso, não fiz nada que pudesse derrubar minha amiga Wendy ou algum dos meus colegas, músicos altamente treinados. Foi bem diferente de qualquer outro concerto que eu tenha feito na minha vida.

O Switched-on Bach Ensemble, de Wendy Carlos!
Não houve gravação ou registro em vídeo profissional do concerto. Eu fiz algumas gravações com uma câmera de vídeo, durante os ensaios, e eu acredito que os outros músicos tenham feito gravações de áudio profissional das sessões de ensaio. No show, o teatro e o Bach Festival proibiram quaisquer gravações de áudio ou filmagens feitas pelo público. Mas eu me lembro de ter visto trechos da apresentação, filmados com alguma câmera portátil que entrou escondida na noite do concerto. Então, existe gravação disto em algum lugar, mas nada profissional. Para mim, minhas memórias são o suficiente.

ASTRONAUTA - Você gravou 10 álbuns do projeto Synergy, usando tecnologias analógicas, digitais e híbridas. Como as mudanças ocorridas nas tecnologias afetaram os métodos de composição e de gravação da sua música? Você ainda tem algum dos equipamentos analógicos que você utilizou para gravar seus primeiros discos? Qual seu sintetizador analógico preferido? 


LARRY - Eu ainda possuo quase todo o equipamento, tanto analógico quanto digital, que tive algum dia. Muitos deles estão guardados na minha casa. Minha carreira foi ficando mais refinada e passei a ter maior controle no que diz respeito ao processo de gravação e em sintetizar sons.  Nos primeiros tempos, os sintetizadores e equipamentos analógicos eram gravados direto na fita, mas minha evolução para o digital começou em 1974, com um sequencer digital da Oberheim, que eu utilizava para controlar o Moog e outros módulos de sintetizadores analógicos. Logo depois, no final de 1975, tive a oportunidade de realizar um projeto no Bell Laboratories, utilizando síntese digital e gravando em grandes computadores. Os horizontes sonoros ampliados e a maior possibilidade de controle fizeram o analógico me parecer um tanto quanto primitivo. Fui fisgado pelo digital na época. Mas o preço e o tamanho absurdo do equipamento inviabilizava utiliza-lo na maior parte das gravações e turnês. No ano seguinte eu consegui meus primeiros micro-computadores e passei a ter controle digital sobre o meu sintetizador Moog. Logo depois disto, eu fiz algumas gravações utilizando síntese digital no Bell Labs. Incluí estas gravações dentro de algumas composições gravadas de maneira analógica, nos discos do meu projeto Synergy. O caminho para um futuro digital me foi apresentado nos anos 70. Na maior parte da minha carreira, enquanto utilizava a tecnologia analógica, eu fiquei contando o tempo, esperando que a tecnologia digital se tornasse menor, mais barata e mais confiável para que pudesse ser retirada dos laboratórios e assim se tornar uma ferramenta que eu pudesse utilizar, como compositor e produtor. Tenho seguido firme dentro do campo digital por quase 40 anos mas, por necessidade, eu continuava a utilizar as ferramentas analógicas que estavam disponíveis.

Meus equipamentos analógicos preferidos eram os módulos da Moog, que eram construídos e calibrados dentro dos mais altos padrões profissionais. Eles realmente eram os melhores equipamentos produzidos naquela época. Como instrumento polifônico na era pré-digital, tenho que dar crédito ao sintetizador híbrido analógico-digital Prophet 5, da Sequential Circuits, como o mais próximo dos padrões Moog de qualidade. Eu também levo muito em consideração os produtos feitos pela Oberheim, embora eu não tenha muitos dos seus produtos.

O uso que tenho feito do controle dos equipamentos analógicos por computador, desde os primeiros tempos (cerca de 35 anos atrás), agora evoluiu para um ambiente totalmente digital, tanto para síntese quanto para gravação.


O Switched-on Bach Ensemble, de Wendy Carlos!
(Christian Martirano, Ettore Stratta, Wendy Carlos, Jordan Rudess,
Gloria Cheng, Matthew Davidson, Clare Cooper, Mayumi Reinhard e Larry Fast).
Tony Levin Band (Pete Levin, Jerry Marotta, Jesse Gress, Tony Levin e Larry Fast).
Equipamento utilizado por Larry Fast nos anos 70,
quando tocava na banda de Peter Gabriel.

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